Por Carla Pereira da Fonte – Rio de Janeiro
Você já esteve em uma festa regada a vinho em fartura? Já observou, ou pode imaginar, o estado em que ficam os convidados no final dessa festa? Passou alguma vez pela sua cabeça chegar a essa festa nesse momento trazendo mais vinho, de melhor qualidade e em abundância? Pois foi exatamente o que fez Jesus, o Cristo.
Penso que se Jesus estivesse seguindo ao Papa ao invés de seguir ao Deus único (ou seguindo a qualquer líder de qualquer instituição pública ou privada, religiosa ou não do mundo moderno) teria transformado não água em vinho, mas sim o pouco de vinho que ainda restava na água mais pura e benta jamais vista, capaz de restabelecer a saúde dos presentes, trazendo de volta a sanidade e compostura necessária diante da autoridade que estava ali para representar. Mas não foi isso que ele fez, não que não o pudesse fazer, o fato é que não o fez e não sou eu que vou questionar a moralidade divina, nem me achar mais santa que o Santo.
(Se a festa fosse mais ao oriente, longe de Baco, talvez Jesus tivesse distribuído papoulas...)
O que verifico é que faz parte da natureza humana buscar alterar a própria percepção sensorial em busca de experimentar a si mesmo, nossa cultura se constrói sobre esse estado alterado, cultuamos inúmeros ídolos que construíram sua personalidade lançando mão desse recurso, consumimos diariamente e intensamente o resultado alcançado por mentes e espíritos alterados: Shakespeare, John Lennon, Oswaldo Cruz, Vinícius de Moraes, Cazuza, Noel Rosa entre tantos (até Regina Duarte recorreu a tratamento para recuperação de entorpecentes, justamente a namoradinha do Brasil...).
Nossa sociedade é leviana e hipócrita quando lança na ilegalidade a natureza humana. A proibição não só do uso, mas também da reflexão clara e franca sobre o tema é mais letal que os estragos causados em nossa moralidade pela imagem feia e torcida de bêbados e drogados que seguem abandonados pelos cantos ermos de casas e ruas com os quais temos convivido de forma oprimidamente cínica em tempos modernos.
Se combatêssemos nossa hipocrisia com a mesma intensidade com que combatemos a produção e venda de entorpecentes continuaríamos convivendo com os estados alterados da percepção inerente a vida em sociedade desde relatos remotos (foi encontrado THC ativo em múmias milenares...!) porém, de forma consciente, saudável e porque não dizer, humana.
Sob o efeito da repressão e da opressão a que estamos submetidos diariamente por moralidades falsas institucionalizadas, até mesmo o vigor de nossas mãos saudáveis tornam-se armas e se voltam mordazes contra nós. Nosso próprio organismo produz a química que altera nossa consciência e devolvemos a violência até mesmo contra nossas crianças amadas, lançadas pela janela e trancafiadas em porões como vimos assistindo diariamente, confortavelmente, nos tablóides diários que nos entorpecem o espírito, involuntariamente.
Entorpecidos pelo consumismo de pequenos e grandes poderes, prazeres irrestritos, financiamos milícias oficiais que nos matam enquanto protegem nossa mediocridade; entorpecidos pelo medo nos confinamos calados em confortáveis caixas gradeadas com bom gosto; entorpecidos pela superioridade cultural racionalista marchamos sobre os que nos são diferentes no tempo e no espaço (transmitido em tempo real e em rede nacional, civilizadamente simbolizados e preservados pelo patrimônio histórico cultural).
Mas quando a violência que acontece entre nossos iguais envolve um princípio ativo deliberado, nossa moralidade santa grita e a ordem segue dando choque enquanto brindamos a isso, empapuçados!
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